Reflexões sobre o Modernismo na Pintura e na Literatura

Reflexões sobre o Modernismo na Pintura e na Literatura – Uma resenha através dos escritos de Anatol Rosenfeld e Peter Burger

Anatol Rosenfeld (crítico e teórico de teatro teuto-brasileiro, 1912-1973), em Reflexões sobre o Romance Moderno, traz hipóteses que visam refletir sobre as obras literárias e as pinturas que surgiram no início do século XX no período Modernista. Inicia expondo que cada povo tem sua manifestação cultural com base em sua história e que negar o que se considera ultrapassado com novos paradigmas faz parte do posicionamento do indivíduo em seu universo.

Na pintura, o surgimento do cubismo, do expressionismo e do surrealismo teve como principal manifestação a negação do realismo. A arte já não podia mais imitar a vida, mas a vida deveria ser impressa na tela, através do caótico, das cores, da subjetividade, que mais tarde Peter Burger, filósofo e literário alemão, alegaria que o movimento da vanguarda falhara substancialmente, principalmente contra a instituição social da arte e a práxis vital. Burger diz que a vanguarda fracassou em ser antiarte, pois foi justamente reconhecida como uma obra de arte, autônoma e institucionalizada.

Rosenfeld se ateve a comparar o surgimento de uma literatura e de uma pintura que negam as convenções tradicionais, através da perspectiva da mente, que traz um mundo relativo de acordo com a consciência individual, de uma realidade sensível onde o tempo não é mais cronológico, fazendo com que o passado, o presente e o futuro se fundam em um espaço totalmente subjetivo. A arte moderna nega o mundo empírico das aparências e passa a tratar a visão sem perspectiva visível, com uma sucessão de momentos concomitantes originado do fluxo de consciência e dos mecanismos psíquicos. Cita como exemplo as obras de Camus, Kafka e Joyce, que trazem personagens totalmente alheios à realidade social, fragmentados em seus inconscientes com suas próprias visões de mundo. Essas visões são angustiantes, abstratas, que criam uma simbologia do abismo entre o homem e o mundo através da perspectiva individual.

Marcel Proust é considerado o primeiro grande romancista que rompe com a tradição do século XIX, trazendo um romance que se passa no íntimo do narrador, de cronologia confusa e uma montagem caótica de monólogos interiores. Rosenfeld menciona Virginia Woolf que diz “Muitos dos romances mais famosos do nosso século procuram assinalar não só tematicamente e sim na própria estrutura essa ‘discrepância entre o tempo no relógio e o tempo na mente’”.

Na tentativa de superar a realidade, o sujeito passa pela desrealização, abstração e desindividualização, como sua essência absoluta por detrás da aparência que vive, tragada pela vaga realidade coletiva em que se insere. Podemos citar James Joyce, Mário de Andrade, Guimarães Rosa, Hemingway, como alguns dos autores que trazem em suas obras essa transformação ameaçadora do desiquilíbrio psíquico individual, rompendo com o romance tradicional.

Em Teoria da Vanguarda, Peter Burger traz a problemática que a vanguarda, o modernismo das pinturas e artes cênicas, não conseguiu atingir seu objetivo quando trouxe suas obras para não serem arte. Destruindo com o conceito limitado da arte simbólica (chamada de orgânica), o vanguardismo tratou através de processos antiartísticos manifestar provocações ao público e à arte, assim como o modernismo literário tratou de desintegrar o sujeito em sua própria narrativa.

Burger diz que para Adorno (filósofo, sociólogo, musicólogo e compositor alemão), só é possível estudarmos a arte do passado através da arte moderna, que trouxe como proposta a quebra da tradição da sociedade burguesa capitalista, a renovação dos processos dentro de uma linha literária e que tem um efeito surpresa para seu público. Embora o modernismo rompa com tudo o que até então estava em vigor de forma radical, a arte passou a ser uma mercadoria de consumo na sociedade capitalista, sendo confundida com a moda burguesa. E eis que surge a pergunta: não teria o movimento tornado supérfluo as técnicas artísticas?

Em relação ao movimento da vanguarda, que buscou provocar o excepcional e teve a pretensão de dominar o acaso como chave de liberdade social do racionalismo capitalista, trouxe através de suas técnicas uma subjetividade vazia, incompreensível, fruto de um cálculo preciso, porém com um produto bastante imprevisível.

Walter Benjamim, ensaísta e prosador alemão também citado por Burger em seu estudo, trabalha a ideia da alegoria como sendo a representação dos pensamentos, ideias e qualidades sob forma figurada na pintura, em quatro conceitos: a) a alegoria é um fragmento do contexto social; b) o sentido ocorre em reunir tais fragmentos, mas com resultado diferente de seu contexto original; c) há uma expressão de melancolia na obra, que não tem sentido nem significado e d) representa sua história como decadência, falha humana, carente de função social. A obra montada composta de fragmentos da realidade, acaba tendo sua aparência na totalidade com um sentido figurado, diferente do sentido original de cada parte, podendo ser lido ou interpretado como um todo ou em separado.

Em um quinto e último tópico, Burger relaciona a técnica de montagem à sua exposição, ressaltando a abstração da obra através de materiais não elaborados pelo artista, mas que traz toda a sua subjetividade, criando uma realidade artística diferente da original. Tem-se que até mesmo a negação de sentido é um modo de dar sentido a algo através de um discurso inconclusivo, na tentativa de causar um choque aos receptores da obra.

Nota-se, portanto, que tanto na fala de Rosenfeld quanto de Burger, tem-se a subjetividade e a desconstrução do sujeito (ou do objeto no caso da pintura) como principal manifestação do modernismo, quebrando com os paradigmas do realismo e do romantismo. O tempo já não se move conforme o relógio, cronologicamente. O tempo passa a ser aquele que a obra apresenta como vínculo necessário à existência de sua arte, mas não através de uma perspectiva organizada.

Bibliografia

BÜRGER, Peter. “A obra de arte de vanguarda”. In: Teoria da vanguarda. Trad. José Pedro Antunes. São Paulo: Cosac Naify, 2008, p. 117-162. [Republicação: São Paulo: Ubu, 2017, p. 127-181.]

ROSENFELD, Anatol. “Reflexões sobre o romance moderno”. In: Texto / contexto I. 5ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1996, p. 75-97.