A importância (e particularidades) de uma língua

(artigo escrito com base nos estudos do capítulo 1 da obra “Letramentos”, de Mary Kalantzis)

De acordo com uma pesquisa realizada pela BBC em 2023, algumas das línguas indígenas em risco de extinção são a Hixkaryana, Nambikwara, Jamamadí e Guató. O motivo do seu eminente desaparecimento pode ser causado por diversos fatores, como a morte dos falantes, a proibição de seu uso por colonizadores – e antigamente pelos missionários que tinham função pedagógica e catequética, a espoliação territorial, o racismo e discriminação.

Mas não é de hoje que as línguas correm o risco de desaparecer. As línguas antigas, há muito enterradas, um dia fizeram parte de uma cultura e sua relevância pode ter sido inclusive registrada em paredes, pedras ou papiros.

O sumério é um exemplo. Considerado o idioma mais antigo do mundo, utilizado há mais de 3.100 anos a.C, é representado por textos que registram momentos comerciais, históricos ou da natureza, inclusive como marco da primeira literatura escrita no mundo: A Epopeia de Gilgamesh, de autor desconhecido.

A língua suméria é considerada pelos historiadores e linguistas como uma língua isolada, sem nenhum outro idioma relacionado. Seu uso na escrita fora detectado por registros em placas de barros com símbolos cuneiforme, mas não há registros que expliquem sua origem e nem detalhes desse idioma tão antigo. O idioma desapareceu juntamente com seu povo.

Em contrapartida, Sócrates dizia que “o esquecimento vem com a escrita”, criticando o registro como forma de inutilizar uma discussão imediata à ideia apresentada, ou seja, você não consegue discutir ou argumentar com algo escrito, a menos que você prepare uma resposta também escrita ou posterior ao momento da leitura, inviabilizando o pensamento reflexivo imediato que Sócrates tanto defendia. No entanto, se não fosse pela escrita, muito do que se estuda hoje não haveria sequer menção, já que para que uma história sobreviva, ela deve transpassar gerações e sabemos que há eventos históricos que dizimaram povos inteiros. Aquilo que se escreveu, hoje é possível estudar, analisar, discutir; já aquilo que era passado oralmente, perdeu-se para todo o sempre.

Nota-se a importância de uma língua para seu povo e de sua perpetuação para a humanidade. Em uma cultura, o idioma pode ser tratado como uma padronização de seus registros e relatos, para que o grupo em questão tenha acesso a seus dados de forma homogênea, tornando-se parte de sua nação, de sua ideologia política, estruturando e fortalecendo sua cultura e sua história. Percebe-se a importância da língua quando um povo é invadido por outro e a língua do grupo opressor é imposta ao povo dominado como forma de submetê-los ao novo poder. O mesmo ocorre com relação às classes sociais: embora um país venha a ter o mesmo idioma como oficial, sua forma de uso, estrutura sintática, semântica e pronúncia ditam em qual camada ou evento social o sujeito se encontra. A língua é ao mesmo tempo a alma da cultura de um povo unificado e a individualização do seu enunciador.

Em um rápido exemplo, vamos falar do meu amado país, o Brasil. Aqui o idioma oficial é o português brasileiro. No entanto, o sotaque na comunicação oral nos dá referência de qual região a pessoa é proveniente, bem como o uso de determinados vocabulários e seu tom de voz nos dá indício da classe social que o cidadão está inserido, que consequentemente, o leva a escrever quase que de forma similar. E não, esta não é uma visão preconceituosa, é uma visão linguísticamente validada por estudos de pesquisadores tanto da sociologia quanto da linguística.